sexta-feira, 14 de maio de 2010

Economia de crise ou economia sustentável?

E porque é mais que óbvio que estamos em crise económica, mais uma vez me socorro de um extracto do livro abaixo identificado, de Valdemar Rodrigues, para reflexão da necessidade de transição para uma economia sustentável. O extracto fala de economia em crise. A mim, parece-me que também se fala de economia sustentável. Porque a "crise" que temos na economia, desenganem-se, não é passageira. Ela veio para ficar e para se agravar, porque a nossa economia é insustentável. E não falo de Portugal, falo do mundo. A dependência extrema do petróleo, cujo pico foi ou está quase a se atingido, e que cada vez será mais caro, o excessivo consumo dos recursos do planeta, a poluição que produzimos e as desigualdades que supostamente deveriam estar mais atenuadas neste século, mas que se agravaram, são razões mais que suficientes para uma crise geral. E são as comunidades locais que têm de perceber que precisam de se preparar para a transição, tornando-se resilientes e resistentes à crise vindoura preparar, para evitarem o colapso.

"(...)
Se houver uma crise económica e colapsar o abastecimento de electricidade, a conservação de produtos alimentares como a carne ou o peixe ainda continua a ser possível, através, por exemplo, da salga ou da secagem. Não é certamente por acaso que as sociedades ainda guardam a memória dessas tecnologias primitivas: é o seu instinto natural de sobrevivência a funcionar, sussurrando ao íntimo de cada um dos seus membros que o progresso cultural e científico nunca foi na história um dado completamente adquirido. E não foi, de facto, como bem sabem os antropólogos e os historiadores.
A história é profícua em casos de sociedades cultural e tecnologicamente ricas a que se seguiram sociedades cultural e cientificamente pobres, apagadas ou mesmo mortas.
(…)

A perspectiva crente na irreversibilidade do progresso tende a minimizar a importância de costumes e saberes ancestrais (ou ultrapassados) que um dia foram úteis ao homem e que lhe permitiram em muitos casos sobreviver economicamente. Tal perspectiva tende a orientar a educação essencialmente para o novo e para o futuro plausível, sem cuidar suficientemente do estudo dos factores que fizeram com que uma dada disciplina científica progredisse até um determinado estádio. Uma educação que ufanamente descura o passado, em benefício de um saber apenas presente, tantas vezes precário e incerto, inclinado para um futuro onde a surpresa não se consente. Predomina hoje, por assim dizer, uma a-historicidade pedagógica, decerto agravada pelo sentimento de compressão espaço-temporal e pela percepção da extrema aceleração das transformações que varrem o mundo.
(…)

O sucesso da recuperação económica da Argentina no período pós-2001 desafiou o conhecimento económico convencional (leia-se: o conhecimento iluminado por um tipo particular de teorias económicas) e surpreendeu a resposta do Estado nacional enquanto sociedade política cooperante e capaz de auto-organização. Na Argentina, a superação foi possível graças a expedientes há muito considerados arcaicos, tais como sistemas de troca directa, que se revelaram vitais para a sobrevivência de muitos milhares de famílias. O mesmo havia sucedido na Bulgária, com as batatas a transformarem-se por volta de 1997 em moeda de troca em várias regiões do país. O sistema baseado nas trocas directas de produtos e serviços já tinha sido criticado por Adam Smith que o considerava primitivo, um sistema não refinado que tenderia a desaparecer com a modernização das economias. Porém, tal não sucedeu, mantendo-se até aos nossos dias e estendendo a sua acção inclusive ao comércio internacional.

As moedas locais são outro dos arcaísmos que teimam em permanecer e cuja utilidade económica adquire grande relevo em tempos de crise. Isso aconteceu, por exemplo, na pequena cidade austríaca de Wörgl entre Julho de 1932 e Novembro de 1933 em pleno período da Grande Depressão, permitindo pôr em prática as ideias de Sílvio Gessel. Enquanto a depressão económica deixava marcas profundas por toda a Europa, a pequena cidade via aumentar o seu produto interno e as taxas de emprego, protegendo-se assim dos efeitos da recessão económica. Por muito que isso custe aos cultores do liberalismo económico, é da própria ideia de Estado soberano que advém o proteccionismo económico, hoje tido por coisa abominável pelas instâncias internacionais liberalizadoras (OMC, FMI, Banco Mundial, etc.).

Os sistemas locais de trocas têm vindo a ser explorados desde as primeiras décadas do século XX, inclusive por empresas que se especializaram na sua implementação, existindo provavelmente em 2008 mais de um milhar de sistemas em funcionamento em todo o mundo desenvolvido, porém de forma limitada e na sua maioria em paralelo com os sistemas oficiais baseados nas moedas nacionais ou regionais.
(...)"

Valdemar J. Rodrigues, em "Desenvolvimento Sustentável - uma introdução crítica", Parte I - Escolas e correntes de pensamento da questão ambiental- As escolas das ciências sociais e o ambiente - Desafios para a ciência económica, Editora Principia, 2009 (itálicos do autor, negrito meu, imagem da net)

6 comentários:

  1. Olá,

    É fulcral discutir energia e emissões sem colocar em eventos cataclísmicos, mais ou menos verosímeis, a validação de políticas de conservação. Dito isto, é um facto que a economia surge anexada ao petróleo, fácil de perceber desde o verão de 2008 quando uma explosão nos preços tornou essa relação explícita e desde então as duas têm-se "ajustado" mutuamente em sincronia.

    O que se especula que se está a passar agora, em que a procura está a apanhar a oferta e com os custos de extracção a subirem, pode ser uma oportunidade para uma transição gradual para sociedades menos dependentes de combustíveis fósseis ou pode ser a alavanca para piores desastres ambientais, com o carvão e os "shales" do Canadá a tornarem-se competitivos.

    Cabe ás tecnologias renováveis mais correctas para cada região e país e sobretudo a eficiência e conservação ganharem esta corrida de preços.

    Cumps

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  2. Nuno

    A dependência do petróleo aponta fortemente para uma grave crise, e a aposta nas energias renováveis é essencial e necessária, mas não será suficiente. Vai ser necessário também a aposta na redução do consumo e no aumento de eficiência. Como aliás apontou no seu comentário. E essa redução do consumo poderá ser potenciada através da conjugação de esforços e saberes de populações locais, com a ajuda dos governos locais, para se tornarem mais independentes.

    Obrigada e cumprimentos

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  3. Olá Manuela, totalmente de acordo.

    Existem felizmente iniciativas bastante interessantes como a Transição, que apontam nesta direcção. Acho que os benefícios para a qualidade de vida individual e para uma sociedade mais justa e equilibrada são nítidos e validam por si esta intenção.

    Não é que veja nisso um grande problema para mim mas muita da retórica assenta por vezes demasiado (opinião pessoal) no Pico do Petróleo e nas Alterações Climáticas e receio que isso torne a mensagem um pouco hermética para quem está interessado nestas coisas mas que esteja ainda a familiarizar-se com todos estes conceitos.

    Cumps

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  4. Nuno

    É verdade, a questão da maneira como encaramos a vida e a sociedade se calhar é o mais importante - um mundo mais ético e solidário é o fundamental. Mudar o modo de via, refrear e pensar.

    Obrigada e bom fim de semana.

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  5. Gostei dos seus argumentos, e defendo, enquanto o ser humano não perceber que ao agredir o ambiente que ele vive, ele agride a si mesmo, as coisas não mudarão.

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  6. Biosfera
    Concordo plenamente consigo. A sociedade, e cada um de nós, tem muito a fazer no caminho para a sustentabilidade, sobretudo no que respeita à justiça social e à economia equilibrada, mas sem respeito pela natureza, base de sustentação da sociedade, o resto não será suficiente.

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